O conjunto de estilos da dança de rua recebe o nome de Street Dance, esses estilos se desenvolvem na realidade gestual do indivíduo, através de movimentos coordenados e harmoniosos, o que faz do corpo uma forma de comunicação.
O Street Dance é uma dança criada, inicialmente, pelos breakers. Foi desenvolvida nas disputas e performances de suas festas. Trata-se de um estilo de vida com vestimenta, música e linguajar próprios (ROCHA et al, 2001; HERCHMANN, 1997). É caracterizada por quatro elementos que se dividem em três categorias: música -Rap (DJ’s e MC’s), artes plásticas – Grafite e dança – Street Dance (vários estilos).
De acordo com Vianna (1997), o Street Dance não surgiu tão remotamente como o Ballet Clássico, mas também não se trata de algo muito recente.
Grande parte dos negros pertencentes às fazendas do Sul dos EUA, entre 1930 e 1940, migrou para os grandes centros do norte do país. O chamado Blues, sua música rural, originou o Rhytm and Blues. Pertencente até então somente à cultura negra, esse estilo foi levado às rádios e ao convívio dos jovens brancos da época – onde havia grande separação racial (VIANNA, 1997).
Famosos músicos que se utilizavam da dança, das vestimentas e da música negra, como Elvis Presley, James Browm, Ray Charles e Sam Cooke, contribuíram também para o surgimento do Rock & Roll.
Ainda de acordo com Vianna (1997) observa-se a permanência do Rhytm and Blues, embora muitos negros tenham o diferenciado da sonoridade do Rock. Nota-se a surpreendente união do Rhytm and Blues (então considerado profano) com o Gospel (música negra religiosa), originando o Soul, filho de dois mundos contraditórios.
Enquanto, na década de 60, o cenário histórico apresentava discussões sobre direitos civis e derrotas na Guerra do Vietnã, o Soul e os Panteras Negras (Black Panters) estavam se expandindo. Rocha et al (2001), explica que o movimento dos Panteras Negras baseou-se nas idéias de Mao Tse-Tung, com o objetivo de defender o poder negro (Black Pawer), permitindo liberdade de decisão com relação aos brancos. Tratava-se de um estilo musical puramente revolucionário.
O autor também menciona a perda da pureza do Soul e sua transformação em um termo vago, igualado à Black Music da época; passou a representar, para alguns negros, um produto comercial. Da mesma forma, “Funk”, como gíria, deixa de ser pejorativa e passa a representar o orgulho negro. A roupa; o modo de andar; residir em determinado bairro da cidade; o modo de cantar e dançar caracterizavam o “ser Funk”. O Funk era apreciado principalmente pelos adeptos do Soul, pois utilizava um ritmo marcado por arranjos agressivos, o que radicalizava a proposta inicial.
De acordo com Ejara (2004), o Funk remete sua alma (Soul) à descrição de temas do cotidiano, atuais, através de formas metafóricas inspiradas no bom humor. Era chamado também de Social Dance, pois possibilitava a dança a qualquer pessoa.
No Street Dance, de estilos diversos, originais e contemporâneos, encontram-se influências do Funk. Analogamente, hoje, o Funk está para o Street assim como o Ballet está para as danças acadêmicas, e pode ser considerado base para o seu desenvolvimento.
As origens
Conforme Alves (2004), encontra-se, no Street Dance, um indício de origem jamaicana. Assim como os Estados Unidos, a Jamaica passava por conflitos civis e políticos, em que eram comuns os Disco-mobiles (carros de som semelhantes ao Trio elétrico brasileiro) e Talk Over (canto falado com mensagens políticas).
Kool Herc, jamaicano fugido das lutas civis do país por volta de 68 e 69, chega aos EUA trazendo às ruas as primeiras Block Parties (festas de quarteirão), no Bronx, assim como os Disco-mobiles.
Por haver, no bairro, brigas de gangues na disputa de territórios, com agressões e mortes, um precursor do movimento cultural Hip Hop, Afrika Bambaataa, contribui para que as gangues resolvam suas diferenças através da dança, chamadas “batalhas”, disputas dançantes em que um dançarino “quebra” o outro, no sentido de dificultar a movimentação (batalhas de break) dentro das Block Parties. Com isso, a violência entre as gangues ameniza-se pouco a pouco (VIANNA, 1997).
O Hip Hop (SHUSTERMAN, 1998) começou a se destacar nos anos 70, em meio à era disco, partindo do gueto nova yorkino do Bronx para Harlem e Brooklin e, futuramente, para o mundo. A chamada cultura Hip Hop, em 1974, ganha vida e é fundado o Zulu Nation1, criam-se então os quatro elementos (ALVES, 2004; SHUTERMAN, 1998; ROCHA et al, 2001).
Os Quatro Elementos – Rap (DJ’s e MC’s), Grafite e Street Dance
O Rap (Ritmo e poesia) constitui-se por uma fala ritmada e rimada, com expressões que refletem a realidade do jovem. Kool Herc o trouxe (por meio dos Toasters) nas Block Parties.
Os DJ’s (discotecários) manejavam aparelhos de mixagem durante festas, com o intuito de produzir novas músicas e sons, com indumentária própria. (ALVES, 2004; SHUTERMAN, 1998; ROCHA et al, 2001; VIANNA, 1997).
Os Grafites eram demarcações de territórios entre gangues rivais, através de Tags (assinaturas) que, aos poucos, transformaram-se em forma de expressão artística (CIRINO, 2005).
Dança – Street Dance
Paralelamente aos outros elementos, o Street Dance, nas Block Parties e metrôs de Nova York, teve sua origem (VIANNA, 1997).
Os primeiros dançarinos (Breakdancers e B. Boys) protestavam contra a guerra do Vietnã através da teatralidade de cada passo, que representava uma violência física ao soldado, um dano causado, ou demonstrava seus ferimentos (ROCHA et al, 2001).
Já Ejara (2004) o entende como falso patriotismo americano, pois os movimentos e estilos seriam derivados do Funk, desenvolvendo-se em outros estilos/modalidades, nas situações vividas por seus criadores. Ele define o Street Dance como uma terminologia geral dividida em vários estilos/modalidades. Comparando-se: o Balé (como terminologia geral) seria o que agrega os estilos/modalidades chamados de Neoclássico, Repertório, Moderno, etc.
Estilos/modalidades
De acordo com Ejara (2004) os estilos/modalidades dividem-se desta maneira:
- Locking: criado por Don Campbellock, na cidade de Los Angeles (Estados Unidos), em finais de 60. Originado do Funk, especificamente de um passo chamado Funky Chicken.
- Brooklyn Rock (Up Rocking): criado por dançarinos (Rockers), Rubber Band e Apache, entre 67 e 69, no bairro do Brooklyn, na cidade de Nova York (Estados Unidos), como movimentos de disputa2.
- Popping: criado por Boogaloo Sam, nascido em uma pequena cidade da Califórnia, Fresno. O dançarino possuía, no início dos anos 70, seu grupo de Locking, quando em meados de 75 passou a criar seu estilo próprio, e seu grupo, antes chamado de Electronic Boogaloo Lockers, tornou-se Electric Boogaloos. Movimento caracterizado pela contração muscular.
- Boogaloo: também criado por Boogaloo Sam na mesma época, ao observar o andador de um homem velho pela rua e seu movimento. Caracteriza-se por movimentos circulares do quadril.
- B-Boying ou B-Girling (Breaking): surgido entre os anos de 75 e 76, no Bronx (Nova York). O Break Boy ou Break Girl veio do termo Break/B. (trecho de música, na maioria das vezes instrumental, que valorizava mais a batida e a linha de baixo). Ficaram conhecidos como B.Boy e B.Girl, os garotos e garotas (dançarinos), por dançarem no break da música.
- Freestyle (estilo livre): originado em meados de 80 na chamada Golden Age (Era de Ouro). Tal nome se deve ao fato de esse estilo/modalidade de dança ser baseada em toda a forma de Social Dance ou Street Dance. Trata-se da modalidade mais freqüente na mídia hoje, em Videoclipes de música Rap, R&B e Pop (filme Honey de 2003). Não é dançada somente no acento rítmico da batida, mas também nas convenções vocais e instrumentais da música.
O Street Dance no Brasil
De acordo com Alves (2004), os responsáveis pela “importação” do Street Dance ao Brasil trouxeram-no dos EUA, lá aprendiam a dançar em pistas de grandes casas noturnas, nos bairros de maior concentração de brasileiros. Nelson Triunfo, entre 70 e 80, leva a dança, do meio mais abastado, ao resto do país. Triunfo devolve o Break à rua, seu lugar de origem. Parte para o interior da Bahia, onde se torna estrela, aos quinze anos, de seus Bailes Soul. Depois em Brasília (hoje grande centro do Hip Hop nacional) e ainda para São Paulo, em 1976, onde forma o Grupo Black Soul Brothers.
A chamada cultura Hip Hop caracteriza-se como um veículo de informação de questões raciais, sociais e políticas, debates que estiveram sempre presentes na história do povo que a originou (TRIUNFO, 2000).
Triunfo, outros pioneiros do Hip Hop e o produtor Milton Salles, por volta de 90, fundam o movimento Hip Hop organizado, chamado Mh20 (VIANNA, 1997).
Já para Rocha et al (2001) a conscientização da cultura negra no Brasil foi iniciada por Gerson King Combo e seus companheiros, embalando com o Soul e o Funk os jovens do Rio de Janeiro, com consciência da carga socialmente cultural que o Hip Hop trazia. Nelson Triunfo e seus companheiros, em São Paulo, antecipavam a visão do que o Hip Hop pregaria tempos depois, pois dançavam por diversão e busca da auto-estima.
Conforme o Brasil descobria videoclipes, como os de Michael Jackson, e filmes, como “Flashdance”, ou ainda, a partir do momento em que a sociedade absorveu a nova informação pelos canais oficiais, ou pela mídia de massa, suas barreiras e preconceitos perante a cultura e a dança diminuíram (ROCHA et al, 2001).
Com tal explosão, a cultura sai dos guetos para o mundo e invade aulas de dança acadêmicas, aulas de ginásticas em academias conceituadas e o mercado fonográfico, através de suas músicas (LOPES, 1999; ROCHA et al, 2001).
Como lembra Gonzaga (2000), vários profissionais, então, passam a se utilizar dessa nova forma de expressão e trabalho físico, trazem diversos estilos de aulas às academias como, Cardio-jazz, Cardiofunk, Low Funk, Street Dance, Funk-fitnees, Hip Hop, dentre outros nomes dados às aulas3 derivadas desse movimento da cultura negra – o Hip Hop.
Rocha et al (2001) nota que, nas escolas, os quatro elementos passaram a ser muito utilizados em aulas de Língua Portuguesa (letras de músicas Rap), em aulas de Artes (o Graffiti) e em aulas de dança (o Street Dance). Exemplifica com a passagem da dona de casa Simone, mãe de três filhas que dançam numa escola da Grande São Paulo. Simone, inicialmente, diz não ter gostado, mas mudou sua opinião depois que percebeu a importância que tinha na vida das garotas. Da mesma forma, B.Boys e B.Girls, que trabalhavam em escolas da periferia de São Paulo, conseguiram se aproximar de questões de difícil acesso aos educadores convencionais. Em vez de violência, estabeleciam-se competições saudáveis, como os chamados “rachas”, e as crianças tidas como problemáticas, sublimando seus problemas familiares e sociais, melhoraram seu comportamento (ROCHA et al, 2001).
Desse modo verifica-se o quanto o Street Dance pode contribuir nas Universidades e na Educação Física através de conteúdos referentes à dança e da educação pela proximidade e interação com o público.
Pela imensa aceitação atual do Street Dance nos meios educacionais, esportistas, midiático e de entretenimento, os futuros professores universitários vinculados a essa dança carregam um elemento de grande potencial, conteúdo e valia. Daí a importância do estudo dos mesmos.
Considerações finais
Constatou-se que referenciais bibliográficos brasileiros referentes ao assunto são escassos, bem como, notou-se uma diferença contrastante de opiniões no que se refere ao surgimento da dança referida. Rocha et al (2001) descreve a dança como uma espécie de protesto contra a guerra do Vietnã e, Ejara (2004) discorda ao colocar tal descrição como um falso patriotismo americano; outra discordância nota-se entre Alves (2004) e Rocha et al (2001) quanto aos verdadeiros precursores da “cultura Hip Hop” no Brasil.
O presente estudo reuniu informações importantes no que diz respeito à chamada cultura e/ou movimento Hip Hop, embora a definição do que seja o Street Dance não esteja clara ainda, tão pouco única. O autor que mais especifica sua definição parece ser Ejara (2004), por apresentar clareza e domínio na descrição do Street Dance como um conjunto de estilos/modalidades, definindo-os com precisão.
Concluiu-se que, ao pesquisar e defrontar diversas formas de descrição e definições, desenvolvimento e utilização do Street Dance, a dança é bastante recente e encontra-se em processo de constituição; também demonstra-se ser de interesse de muitos envolvidos no assunto e ainda constitui fato histórico não visto de maneira concordante com relação a seu surgimento e criação, por diversos autores.
Nota-se a freqüente aparição na mídia e a influência no meio social tanto em que surgiu quanto no Brasil. Sua história é rica de informações; porém inconclusa. O quadro geral mostra o quanto ainda se deve estudar e questionar e o quanto tal estudo apresenta potencial de pesquisas na área de Educação, Educação Física, História e Artes, além de trabalhos de cunho social.
- Zulu Nation – Maior organização de Hip Hop do mundo, fundada por Afrika Bambaataa (ALVES, 2004).
- Apache Line (frente a frente) – linha imaginária onde os dançarinos ficam um defronte ao outro e ao saírem, cada um em seu momento, executam seu movimento tentando “quebrar” o movimento do outro.
- Essas denominações eram dadas na maioria das vezes, apenas para enfatizar/ enaltecer as aulas de certos professores; mas no seu comum eram originadas do mesmo estilo de movimentos ou objetivos de trabalho físico.
Referência bibliográfica
ALVES, T. Pergunte a quem conhece: Thaíde. São Paulo: Labortexto Editorial, 2004 SEO services in Pakistan.
EJARA, F. A História da Dança de Rua Clássica, 3º Encontro de Hip Hop do Colégio Fênix, 2004. (mimeo)
GONZAGA, E. Hip Hop nova era, Fitness Brasil, 2000. (mimeo)
LOPES, H. The Street’s Essence. Bauru, 1999. 10 transparências.
ROCHA, J.; DOMENICH, M.; CASSEANO, P. Hip Hop: a periferia grita. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. 155 p.
SANTOS, J. L. O que é Cultura. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
SHUTERMAN, R. Vivendo a arte: o pensamento pragmatista e a estética popular. São Paulo: Editora 34, 1998.
TRIUNFO, N. Rev. Hip Hop – Cultura de rua. V.1. Rio de Janeiro, 2000, p. 16.
VIANNA, H. O mundo funk carioca. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.