O que é a música? Como ouvi-la? Estas perguntas assolam continuamente a nós que gostamos de cantar e também a nós que gostamos de ouvir… É complicado descrever sucintamente o que é boa música. Existem muitas técnicas para cantar e tocar. É preciso muita “bagagem” para ouvir. Isso nos leva a declamar as palavras fatídicas: “Gosto dessa música, não gosto desta.” Vamos aprender a ouvir a música? Não apenas como um sentido simples que a audição permite, mas ouvir com um novo sentido, que definiremos adiante Música x Musicalidade.
Há uma distinção entre música e musicalidade que muitos não percebem e que mostra-se como o mais importante nó desta cadeia. A diferença é simples, mas nem sempre compreendida: música é racional, musicalidade é emocional.A música é, como veremos mais à frente, a emoção transcrita em linguagem humana e, como tudo que é humano, falha. A música por si só não é nada. Ao sair da mente (e do coração) do compositor, ela não é mais que uma tentativa. No entanto, ao passar pelo intérprete e chegar ao destinatário final que é você, ouvinte, ela toma significado pois reveste-se do que chamamos de musicalidade.
Enfim, o que iremos tratar não é da música como técnica, com suas fermatas, colcheias e claves de fá. Iremos tratar de um modo mais interior e mais instintivo, de modo que tudo que você conheça sobre música torne-se cada dia novo, num aprender perene.Aqui vale avisar que a própria maneira que temos de registrar a música é em muitos sentidos limitada. Pergunte a qualquer músico se é possível demonstrar tudo o que ele deseja através do sistema de notas que temos hoje e você verá que a resposta será invariavelmente não. Isto porque o sistema é composto de doze semitons, que vão de Dó a Si, que conseguem transmitir muito do que a música expressa, mas não tudo. A diferença entre esta capacidade e a verdadeira intenção do compositor é o que chamamos de musicalidade.
Toda música contém doses generosas de emoção e quanto melhor a música, mais fácil fica para nós, diletos ouvintes, captarmos seu sentido e sua carga emotiva. A música pode transmitir ódio, paz, amor, tristeza, serenidade, patriotismo, inveja, júbilo, confiança, enfim, todas as emoções podem ser escritas em sua linguagem própria, que é a nossa música. A transmissão destas emoções é análoga à transmissão através de um telefone, por exemplo. Alguém fala, esta voz é transformada (através de equipamento apropriado para isto) em sinais elétricos, que por si só não falam. Estes sinais são enviados por um meio (apropriado!) até quem escuta. Os sinais são trasformados novamente em voz (via equipamento apropriado) e podem ser compreendidos. Na música ocorre o mesmo!
Existe alguém que deseja enviar uma emoção: o compositor. Ele transforma através de equipamentos apropriados esta emoção em algo passível de transmissão: a partitura ou uma gravação. Então, esta emoção codificada é enviada através de um meio apropriado: o intérprete, até que chega ao outro equipamento apropriado: o ouvinte. Ela então é novamente transformada em emoção e fecha-se o circuito.No entanto, como numa chamada telefônica, precisamos sempre dar confiabilidade à nossa “linha telefônica emocional”, ou seja, precisamos fazer com que os meios fiquem apropriados para tratar a informação de modo eficiente.
O intento deste ensaio é exatamente descobrir como entender a mecânica dos meios de transmissão musicais e como fazê-los exibir seu potencial máximo, dentro do limite de cada um. Se você acha que não tem dom para a música, leia este texto e depois diga-me se continua com a mesma opinião.
Funções da Música:
Para que serve a música? Primeiramente, como vimos, para transmitir emoções. Mas, para que transmitimos emoções? Para uma infinidade de objetivos, sejamos sinceros… Podemos usar a música para declarar o nosso amor, para acalmar nossa vida, para chamar à luta, para elogiar, para agredir, para consolar e para o que chamamos de louvor. É sobre a função de música como instrumento de louvor que queremos chegar, mas antes há uma longa estrada à frente…
O uso que se tenha da música quase que independe do sentido que atribua-se à mesma. Uma música de protesto e uma música de amor têm a mesma alma, só mudando a sua utilização. Não é a toa que podemos encontrar em canções frases como “A mão que toca um violão, se for preciso vai à guerra…”. A música, como a mão, só conhece seu uso através do instrumentista que a manipula.
Podemos distinguir vários estágios de comunicação humana, e em seu ápice encontramos a própria música que é, se assim podemos dizer, o nirvana da comunicação.
Um exemplo, a tempo: se você é um homem e vê uma mulher, muito da comum, andando pela rua, você expressará: “vi uma mulher andando pela rua”.Isto é prosa. Você pode descrever a mulher dos pés à cabeça, e o máximo de informação que conseguira é o que a realidade apresenta. Nada mais e, se for bem observador, nada menos. Se a mulher for bonita, e fizer com que você pelo menos desvie um pouco da sua linha de pensamento, você pode se expressar assim: “Ó que maviosa ninfa que do mar emerge e inunda o mundo de luz.
Olhos meus, por que me traem assim?” etc., etc., etc. Isto é poesia, que contém muito mais informação que a prosa, mas ainda tem seus limites.Ainda que tenhamos já entrado no campo do imaginário, existem cargas maiores de emoção que podemos passar. De repente você “aquela” deusa! Seu coração bate mais forte, sua barriga gela e você fica o bobo padrão. Se você for um Vinícius de Moraes, provavelmente sua forma de expressão será: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela a menina que ri e que passa, num doce balanço a caminho do mar”, acompanhado de uma bela canção, que todos conhecem. Se você não chegar num Vinícius, pelo menos o desejo de compor uma canção ficará no ar.
O belo da música está na quantidade de emoção que podemos expressar por ela. A realidade não é mais a mesma, mas é moldada de acordo com o desejo (e a categoria) do compositor. Nisto podemos encontrar o homem como criador, e não apenas criatura. Nenhuma outra coisa no mundo conseguiu conciliar num mesmo pacote emoção e razão de uma maneira tão perfeita.
Musicalidade = Música Caseira
É impossível definir exatamente o que é musicalidade, pelo simples fato de que é impossível definir emoções, mas vamos lá: Musicalidade é o instrumento que temos para transformar sinais sonoros em emoção, e vice-versa. É a musicalidade que capta e diferencia os diversos teores da música e chaveia: isto vai para o cérebro, isto para o coração. O que vai para o cérebro é a parte da letra e os sons que nos são agradáveis ou não, ou seja, a parte física e racional da música. O que vai para o coração é a emoção destilada, em seu estado mais puro.A maior ou menor semelhança com a emoção inicial, que estava com o compositor, vai depender de onde ela passou: desde o próprio compositor, passando pelo intérprete e chegando ao ouvinte. Quanto melhor a qualidade do meio, mais precisa é a comunicação. Resta a nós aperfeiçoar-mos em nós mesmo cada um deste meios, desde a composição até a audição.
Você pode dizer, assustado: “Mas eu não sou músico!!!”.
Provavelmente você é e não sabe, ou tem medo de saber, medo de conhecer o poder de criação que existe em você. Sãoraras as pessoas que não têm o dom da música e mais raras ainda as que não têm musicalidade. Das primeiras ainda conheci algumas, mas não encontrei ainda em meus anos de vida quem não tivesse musicalidade, a ponto de achar que musicalidade é como cérebro e coração: todo mundo que é vivo tem. Se você sabe diferenciar uma música de uma prosa ou poesia, você possui musicalidade. A maior ou menor qualidade desta sua musicalidade depende de sua história, mas sempre pode ser desenvolvida, de maneira que ainda não tenha imaginado, pois aí reside a maravilha da emoção.
“A Prática Leva à Perfeição”. Como em tudo (ou quase tudo) na vida, esta frase tem sentido aqui. Para aprimorar seu “instrumento” de musicalidade, é preciso praticar: escute, tentando compreender o que você realmente sente. Ceda à força que têm a música e faça aflorar seus sentimentos. Escute cada nota como se fosse a última nota permitida a você escutar. Faça disso um jogo particular e verá como sua musicalidade melhorará muito!
Oficina
Atividade 1: Escute algumas músicas, de vários estilos e tente relacioná-las com uma das emoções abaixo:
Medo Alegria Paz Tristeza Amargura Confiança Melancolia Ódio Remorso Júbilo Contemplação
Atividade 2: Jogo: Dançando de Acordo com a Música num grupo, formem um círculo. Uma música irá tocar e um escolhido previamente deve rumar-se para o lugar de outro, dançando de acordo com o ritmo do momento. Quem estiver no lugar a ser tomado, deve sair e fazer o mesmo. Quando o ritmo mudar, a dança muda junto!
Atividade 3: Escute música instrumental e preste muita atenção aos seus pensamentos. É sobre isso que a música fala a você. Este é um bom exercício para se fazer em pé e no escuro (ou de olhos fechados).
Elimine qualquer tipo de interferência e deixe a música agir.